A próxima vez que você ouvir uma criança de idade pré-escolar dizer que seu sonho é fazer um carro capaz de andar a mais de 400 km/h sem poluir a atmosfera, não lhe dê tapinhas condescendentes nas costas, porque poderá estar cometendo um erro grave de avaliação.

Mate Rimac nasceu na Bósnia, no final dos anos 1980, e teve de fugir com a família para a Alemanha quando, pouco depois, o conflito dos Bálcãs eclodiu. Regressou à Croácia aos 12 anos cheio de ideias para se tornar um importante inventor e não demorou muito a começar a acumular prêmios de inovação tecnológica.

Seu primeiro projeto de automóvel (um BMW Série 3 convertido a elétrico), feito aos 19 anos, bateu vários recordes. No Salão de Frankfurt de 2011, Mate apresentou seu primeiro veículo original, o Concept One.

Design arrebatador do croata Adriano Mudri guarda semelhanças com outros superesportivos — Foto: Divulgação

O supercarro foi desenhado por Adrian Mudri, designer que o ajudava no seu tempo livre, quando saía do centro de estilo da GM. Foi destaque por sua alta tecnologia e recebeu reconhecimento das principais fabricantes.

Foi o caso da Porsche e da Hyundai, que investiram na empresa e financiaram novos projetos. Depois, Aston Martin, Seat, Renault, Pininfarina e Koenigsegg tornaram-se clientes da Rimac. Um exemplo é o Nevera, que nasceu como protótipo C-Two durante o Salão de Genebra de 2018 e terá 50 unidades produzidas neste ano, em Zagreb.

São os primeiros carros de uma série limitada a 150 unidades, todas assinadas pelo próprio Mate e vendidas por dois milhões de euros — o equivalente a pouco mais de R$ 12 milhões, sem os impostos. Hoje com 33 anos, Mate Rimac conduz um BMW M5 prateado no dia a dia porque, como o próprio inventor admite, carros elétricos ainda padecem da falta de infraestrutura de recarga.

Os números superlativos de desempenho e a rigidez torcional da carroceria são destaques — Foto: Divulgação

Ele acredita, porém, que os superesportivos elétricos, com seu potencial, irão superar em muito os que usam motor a combustão. Crença forte o suficiente para que, na primeira semana de julho, sua empresa de apenas dez anos fosse confirmada como principal acionista da Bugatti.

Com o Nevera, a nova sensação do mundo automotivo não quer nada menos que revolucionar indústria e mercado. O carro foi batizado com o nome de uma tempestade que varre a costa croata com ventos acima de 250 km/h, acompanhada de trovões e relâmpagos.

Os espetaculares números de desempenho não diminuíram desde que o conceito C-Two estreou na Suíça, há três anos. E deixam qualquer um admirado quando confrontados com os melhores motores a gasolina de 12 cilindros, multiturbos, câmbios sequenciais e quase 10 mil rpm.

Materiais leves, como fibra de carbono, foram usados onde foi possível para compensar o peso da bateria — Foto: Divulgação

Porsche, Ferrari, McLaren, Corvette, Lamborghini… seja que marca for, pode fazer uma reverência diante dessa tempestade sobre rodas criada por um jovem que já é visto como o Elon Musk europeu.

E comparado até mesmo a Nikola Tesla, genial engenheiro que estabeleceu os princípios da propulsão elétrica no final do século 19, com a particularidade de ter nascido na mesma região do planeta que Mate Rimac.

O design do Nevera é tão arrebatador quanto o de outros superesportivos eletrificados, como Porsche 918 Spyder e Ferrari LaFerrari. No estilo há pontos em comum com modelos da McLaren e da Ferrari (no capô e nos faróis) e até com o mais recente Corvette (na traseira, talvez pelo fato de Adriano Mudri ter trabalhado muitos anos da GM). Ainda assim, o desenho é original e marcante.

As portas-tesoura sobem levando com elas parte do teto do carro, assim como no Ford GT, o que facilita entrar e sair da cabine de dois lugares. Fibra de carbono, kevlar e materiais leves são usados na construção para deixar o carro o mais leve possível, porém os 700 kg da bateria não permitem baixar o peso de 2.150 kg.

A rigidez da carroceria também merece atenção, como deixa claro o próprio Rimac: “Com rigidez torcional de 70 mil Nm/grau, o Nevera é o automóvel mais rígido já feito”. Mais ou menos o dobro da rigidez torcional de um Lamborghini Aventador, por exemplo.

Sentado ao volante, bem encaixado no banco-concha com cinto integrado, dá para apreciar a boa visibilidade dianteira e a combinação de três telas TFT de alta resolução com instrumentos e central multimídia para o passageiro. Todas têm software e gráficos próprios.

Deleite para dois: O estilo do interior é projeto do designer sérvio Goran Popovic — Foto: Divulgação

“Tivemos de confeccionar todas as peças, inclusive comandos, bancos, telas e até a chave do carro, porque teria sido difícil encontrar fornecedor que as fizesse para apenas 150 veículos”, conta Rimac.

Ele também não queria que o carro com que sonhou há dez anos reunisse um apanhado de componentes de modelos já nas ruas. A combinação de revestimentos de pele, Alcantara, carbono e alumínio cria um ambiente de corrida, bem apropriado para as experiências ao volante do Nevera. E o porta-malas é apenas uma espécie de porta-luvas de 100 litros.

A direção é by-wire, ou seja, sem ligação mecânica: os movimentos dos braços do condutor são monitorados por sensores e transmitidos eletronicamente para o mecanismo da direção. Há ainda um sistema de vetorização de torque por meio dos motores elétricos que ficam em cada uma das quatro rodas.

Autonomia: Rimac garante que a bateria de 700 kg (um terço do peso do carro) possibilita ao Nevera rodar até 550 km com uma carga. Carregadores adequados podem repor até 80% da carga em 19 minutos, mas ainda não há muitos disponíveis — Foto: Divulgação

Muitas das regulagens são feitas pela tela central, mas há comandos físicos para evitar a perda de tempo na exploração de menus e submenus. São sete modos de condução: Comfort, Range, Sport, Track, Drift e mais dois configuráveis, além do Driver Coach com Inteligência Artificial que será incorporado nos Nevera a partir de 2022.

O sistema, que será atualizado pela tecnologia Over-the-air no caso das unidades que já tenham sido entregues aos proprietários, serve para avaliar o desempenho do carro e do condutor em pista e dar sugestões para melhorar o tempo de volta (pontos de frenagem e aceleração, trajetórias etc.), fornecendo dados de telemetria ao vivo. Para isso são usados 12 sensores ultrassônicos, 13 câmeras, seis radares e o mais recente sistema operacional da Nvidia.

Antes da partida, a explicação sobre como roda o Nevera. São quatro motores elétricos (um em cada roda, com 299 cv/28,6 kgfm nas rodas dianteiras e 636 cv/91,8 kgfm nas traseiras), alimentados pela enorme bateria de 120 kWh em forma de H, arrefecida a água e colocada sob o piso do carro.

Vários itens do carro — como bancos, telas e até a chave — foram feitos na própria Rimac a fim de garantir a exclusividade do projeto — Foto: Divulgação

Cada par de rodas tem uma transmissão de engrenagem simples e uma velocidade. Com baixo centro de gravidade, o Nevera tem distribuição de peso quase equitativa, o que favorece o equilíbrio dinâmico. O avançado sistema de vetorização de torque consegue exercer as funções de controle de tração e de estabilidade com a vantagem de ser mais rápido e suave.

Os números são de tirar o fôlego: 2 segundos de zero a 100 km/h (oficialmente 1,97 s), 9,3 s de zero a 300 km/h e 412 km/h de velocidade máxima. Para se ter uma ideia, um carro de F1 atinge velocidade máxima de 378 km/h na temporada 2021.

Complicado traduzir isso em sensações? Certo… e se eu disser que o Bugatti Chiron, com seu motor de W16 8.0, é quase meio segundo mais lento até 100 km/h, mais de 4 s mais lento até 300 km/h e só ganha na máxima, com 420 km/h? Mesmo um monoposto de Fórmula 1 desaparecerá nos retrovisores do Rimac Nevera com os seus 372 km/h de máxima (alcançados por Valteri Botas no GP do México de 2016) e 2,7 s de zero a 100 km/h.

Mas será que a relativa frieza dos números consegue contar a história toda? Provavelmente não, e é por isso que essa exclusiva experiência ao volante do Nevera na pista do aeroporto de Zadar, na costa croata, oferece as condições ideais para perceber o que acelerações desse calibre podem fazer ao cérebro humano.

— Foto: Divulgação

Miroslav Zrncevic, chefe dos pilotos de testes da Rimac, recorda: “Basta selecionar Launch Start, pisar no freio, esmagar o pedal do acelerador e aí soltar o freio”. Mesmo não sendo possível passar para o papel a esmagadora sensação gerada pela aceleração desse míssil com rodas, é difícil manter os sentidos e dá até para temer alguma lesão causada por excessiva aceleração e projeção do cérebro contra as paredes do crânio.

Os 2,5 mil metros da pista do aeroporto não permitem chegar aos 412 km/h. Zmcevic me aconselhou a frear forte (usando a incrível potência dos discos cerâmicos de 390 mm) aos 250 km/h.

Nessa altura, pelo canto do olho, espreito a tela diante do passageiro e consigo perceber que a energia recuperada na tremenda desaceleração quase chega aos 300 kW (a mais alta em qualquer automóvel elétrico em produção). Mais uma ou duas tentativas são suficientes para confirmar o que eu já suspeitava: se você tiver tendência a desmaios e pavor de montanhas-russas, o melhor é não entrar num Rimac Nevera.

Entretanto, ainda que essas acelerações desenfreadas e alucinantes até 100, 200 ou 300 km/h sejam a forma de muitos aferirem o que vale um superesportivo, o certo é que o comportamento do Rimac Nevera na estrada é realmente inspirador. Também mostra sua competência perante os carros da Tesla, que têm sprints supersônicos mas, depois, apresentam falhas em curvas ou nos ajustes da suspensão.

O próprio criador do carro é quem diz: a infraestrutura deficiente para recarga ainda é um problema — Foto: Divulgação

Antes de sair para as ruas, recebo a confirmação de que o Nevera possibilita longas derrapagens controladas no modo “Drift”, prática muito apreciada pelo próprio Mate Rimac até no seu BMW Série 3 elétrico. “Estou certo de que alguns clientes vão querer fazer drift com o Nevera”, afirma o jovem inventor. Nesse modo, escolhido no comando de alumínio posicionado no centro do painel, o protagonismo quase total do torque é dado às rodas traseiras, o que torna fácil colocar o carro para andar de lado.

Já nas pistas croatas, por entre rostos surpresos e polegares erguidos (Rimac é orgulho nacional), o Nevera mostra que os tais 70 mil Nm/grau de rigidez torcional têm grande utilidade na integridade da carroceria em fortes acelerações. É quase impossível arrancar um gemido do hiperesportivo.

E o conforto consegue surpreender positivamente quando esse é o modo selecionado. Só 10% das irregularidades não são tão bem assimiladas pela suspensão, sinal de que os amortecedores eletrônicos funcionam muito bem — até porque, nos modos mais esportivos, o Nevera é quase tão estável quanto uma tábua. Em sequências de curvas feitas em altas velocidades percebe-se como a vetorização de torque ajuda a sentir o carro muito mais leve do que é na realidade.

Dependendo do modo de condução selecionado, o retrovisor interno pode ser parcialmente ocupado por uma grande asa traseira, que aumenta a carga aerodinâmica e torna a frenagem mais eficaz. O seletor da transmissão é lento, mas, em termos gerais, o Nevera está quase pronto para entrar na linha de montagem, o que é impressionante para o primeiro carro criado por Rimac.

A ausência do ruído de um tenebroso motor a gasolina cheio de cilindros não nos deixa esquecer de que estamos a bordo de um carro elétrico. Mas convém explicar que a bateria de 120 kWh promete autonomia de 550 km e pode ser recarregada em cerca de uma hora em um carregador de 150 kWh. E quando existirem suficientes carregadores de 500 kWh, a bateria poderá ter até 80% da sua carga reposta em apenas 19 minutos. Deve demorar alguns anos para haver essa oferta de postos de recarga, quase tantos como os necessários para que possa aparecer um superesportivo capaz de entregar desempenho superior ao do Nevera.

Rimac Nevera

FICHA TÉCNICA
Preço: 2 milhões de euros
Motores: Quatro motores elétricos de ímã permanente
Potência: 1.914 cv (dois de 299 cv e dois de 653 cv)
Torque: 240,8 kgfm (dois de 28,6 kgfm e dois de 91,8 kgfm)
Transmissão: Tração 4×4
Câmbio: 1 + 1 velocidade
Bateria: Lítio/Manganésio/Níquel
Capacidade: 120 kWh
Peso da bateria: 700 kg
Carregamento: Potência máxima em DC de 500 kW
Tempos de carga: A 150 kWh em 1 hora (aprox.) 0-80% em DC (500 kW) em 19 minutos
Suspensão: Independente, duplos triângulos sobrepostos. Amortecedores eletrônicos com variação ativa da altura da suspensão
Freios: Discos cerâmicos (390 mm)
Direção: Elétrica
Porta-malas: 100 litros
Peso: 2.150 kg
Pneus: 275/35 R20 (diant.) e 315/35 R20 (tras.)
Velocidade máxima: 412 km/h
0-100 km/h 1,97 s
0-300 km/h 9,3 s
Autonomia 550 km
DIMENSÕES
Comprimento: 4,75 metros
Largura: 1,99 m
Altura: 1,21 m
Entre-eixos: 2,74 m

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