A Ford surpreendeu a todos com o fim da produção nacional de veículos. O fabricante chegou ao Brasil em 1904, ocasião na qual o famoso modelo T sequer havia sido lançado. Primeiro carro produzido por Henry Ford, o modelo A teve a primazia de iniciar a história da marca no país. Na época, o representante responsável pela importação de veículos era William T. Right e a sua loja ficava no bairro do Bom Retiro, em São Paulo.

O Ford T chegou ao Brasil quase ao mesmo tempo que foi lançado no mercado norte-americano, mas era importado por empresas independentes. O carrinho logo ganhou o apelido de Ford Bigode, uma referência às duas alavancas que tinha na coluna de direção.

A instalação da filial brasileira foi em 1919, quando foi iniciada a montagem do modelo T em São Paulo, ainda com peças importadas. A produção tinha ritmo pesado: foram feitas cerca de quatro mil unidades em um ano. A sede da marca foi criada no mesmo bairro do Bom Retiro. A linha de montagem em série, uma invenção da Ford, foi a primeira do Brasil e logo a capacidade de produção passou a ser de 4.700 automóveis e 360 tratores por ano. O número saltou para 24.250 veículos em 1925.

Substituto do T, o novo modelo A chegou em 1928. Era uma grande evolução diante do antigo carro, um sucesso de vendas, porém desatualizado àquela altura.

Ford Modelo T Bigode — Foto: Divulgação

Contudo, o fato mais marcante daquele ano foi a criação da Fordlândia, uma vila com estilo de cidadezinha norte-americana no meio da selva amazônica. Construída no Pará, a instalação tinha 1,9 milhão de seringueiras para a produção de borracha. Mas uma epidemia e a expansão do plantio da espécie por outros países tirou a razão de ser da empreitada. O projeto foi abandonado de vez em 1933.

A marca tentaria ainda o plantio em outra parte do mesmo estado, onde plantou nada menos que 3,2 milhões de seringueiras. Mas uma doença atingiu novamente as plantas e a propriedade foi devolvida ao governo federal. O investimento de oito milhões de dólares caiu por terra.

Caixa d’água e Escritório Central de Fordlândia, em Setembro de 2010 — Foto: Amitevron em wts wikivoyage/Reprodução

Podemos dizer que o primeiro muscle car da marca foi lançado no Brasil em 1932. Era o inesquecível Ford V8, substituto do modelo A e o primeiro oito cilindros em V com preço baixo. O fabricante ainda trazia carros importados da Europa, exemplos do Anglia, Prefect e Eifel. Até a Mercury teve exemplares montados aqui a partir de 1939, contudo a produção era sob encomenda. Coisas do mercado de luxo.

O início da Segunda Guerra interrompeu as importações, mas a Ford continuou a operar. A produção foi focada em caminhões para o Exército. A pedido do governo, a marca começou a adaptar veículos para rodar a gasogênio. A invenção consistia em uma caldeira instalada no porta-malas e alimentada a carvão vegetal. Tudo para contornar o racionamento de combustível. Ou seja, nem o maior conflito mundial foi capaz de interromper a produção. Quanto mais fechar uma fábrica.

Gasogênio foi uma saída em uma época em que a gasolina era racionada — Foto: Divulgação

A modernização da gama no pós-guerra não demorou a chegar ao país. O grande exemplo é o Ford 1949, dotado de estilo completamente novo. As formas de saboneteira fizeram sucesso.

Uma nova fábrica foi inaugurada no bairro do Ipiranga. Com produção iniciada em 1953, a planta era capaz de fazer 125 veículos por dia e empregava mais de 2.500 pessoas.

O processo de nacionalização da indústria automotiva alavancado no governo Juscelino Kubitschek levou o fabricante a fazer o seu primeiro veículo brasileiro: o caminhão F-600. O utilitário tinha 40% de índice de nacionalização. Logo ele foi seguido por outros modelos do tipo, casos da F-100, F-350 e F-600.

Acreditem ou não, a marca dominava o mercado brasileiro, com fatia de 44%. Em 1962, quando comemorou o veículo nacional de número 75 mil, o fabricante lançou o caminhão Super Ford. O marco dos 100 mil foi batido em 1964, quando o F-600 já tinha 99% de componentes produzidos no país.

Ford Galaxie foi o primeiro carro de luxo fabricado no Brasil — Foto: Divulgação

A produção nacional de carros de passeio só começou em 1967, uma vez que os modelos eram apenas montados aqui. O precursor foi o belo Galaxie, primeiro nacional de luxo. Com motor V8 e estilo alinhado ao dos Estados Unidos, o sedã grande era para poucos.

No mesmo ano a Ford adquiriu o controle da Willys Overland do Brasil. Além do clássicos Jeep e Rural, a empresa veio com um bônus: o projeto prontinho de uma versão adaptada ao mercado brasileiro do Renault 12 e uma fábrica em São Bernardo do Campo (SP). Batizado de Corcel, o modelo foi lançado em 1968 e fez sucesso como o Ford mais acessível. A perua Belina chegou em 1970, dois anos antes da empresa comemorar um milhão de unidades produzidas no país.

Havia espaço para um carro entre o Corcel e o Galaxie. O escolhido foi o norte-americano Maverick, um Mustang mais acessível criado para ser o modelo de entrada da Ford na matriz. Concorrente do Opala, o médio veio nas carrocerias cupê e de quatro portas.

Ford Corcel durante teste da revista Autoesporte de 1968 — Foto: Auto Esporte

E o grande destaque era o motor V8 5.0. Porém ele chegou em 1973, justamente o ano em que explodiu a crise do petróleo. Motivada pela Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPEP), a ação começou como um embargo contra países que seriam apoiadores de Israel na guerra do Yom Kippur, no mesmo ano. A medida levou ao aumento inédito no petróleo e derivados.

A fábrica de Taubaté foi inaugurada em 1974 com a missão de fazer motores e transmissões no país. Para dar uma ideia da empolgação gerada pelo mercado, foram investidos US$ 400 milhões na expansão da empresa no Brasil. Uma nova linha de produção de tratores foi inaugurada em 1976.

O ano de 1977 trouxe outro lançamento histórico: o Corcel II. O modelo manteve muito da base do anterior, mas trazia grandes inovações e estilo geométrico.

Ford Maverick na inesquecível versão GT 5.0 (Foto: Fábio Aro) — Foto: Auto Esporte

Marcado para continuar em operação após o fechamento das fábricas, o Campo de Provas de Tatuí, no interior paulista, foi inaugurado em 1978. Na ocasião era o maior complexo de testes feito por um fabricante na América Latina.

Falando em trabalho, a Ford F-1000 foi introduzida em 1979 e se destacou não apenas pelo motor diesel, mas também pela capacidade de carga de 1 tonelada.

Em 1980, com a introdução dos modelos movidos a álcool, a Ford lançou o Corcel a etanol. O modelo foi um dos mais bem-sucedidos na tarefa de criar um carro que dispensasse a gasolina.

Del Rey tinha estilo um pouco diferente para se posicionar acima do Corcel(Foto: Divulgação) — Foto: Auto Esporte

O Del Rey foi introduzido em 1981 e ficou famoso pelo acabamento quase no mesmo nível do datado Galaxie/Landau, embora a base fosse a do menor Corcel. Muitos lembram até hoje do relógio digital no teto oferecido pelo carro, além de travas e vidros elétricos.

Já que estamos falando de derivados do Corcel, a marca introduziu a picapinha Pampa no ano seguinte. Ela ficou no mercado por muito tempo e tinha a particularidade de ter sido a única do segmento a ter uma (problemática) versão 4X4.

Bem diferente dos demais modelos da marca, todos com origem nos anos 60 ou 70, o Escort fez época como um modelo mundial quase que inteiramente alinhado com o oferecido na Europa. O médio foi introduzido em 1983 nas versões de três e cinco portas. Logo chegou também o XR-3. O grande barato mesmo era a opção conversível do esportivo. Lançado em 1985, o esportivo logo se firmou como um dos carros mais caros do Brasil.

Ford Escort XR-3 foi lançado como um modelo exclusivo e caríssimo — Foto: Época

Foi em 1987 que a Volkswagen e Ford se uniram em uma parceria chamada Autolatina (confira os melhores carros da união). A holding atuava dentro do Brasil e da Argentina e significava um compartilhamento de tudo: bases, engenharia, motores, entre outros componentes. A associação durou até 1995.

O primeiro filho desse casamento chegou em 1989, quando foi lançado o Verona. Baseado no Escort, o sedã de duas portas tinha projeto compartilhado com o VW Apollo. A Ford também se inspiraria em um projeto da marca parceira em 1991. Foi o ano do lançamento do Versailles sedã e da perua Royale, ambos feitos sobre o Santana.

A segunda geração nacional do Escort chegou em 1992, mesmo ano em que a nova F-1000 foi introduzida.

A marca jogou nas duas pontas do mercado em 1993. Trouxe dos Estados Unidos o Explorer, seu SUV de maior sucesso. Na ponta acessível, foi lançado o Escort Hobby 1.0. 1994 foi o ano da ampliação da gama de importados: foram trazidos dos Estados Unidos o Taurus e a Ranger, enquanto o Mondeo veio da Europa.

Apollo foio primeiro carro da VW baseado em um projeto Ford (Foto: Reprodução ) — Foto: Auto Esporte

Com o fim da Autolatina, a Ford buscou trazer outros carros para complementar a sua gama. O mais relevante deles foi lançado em 1995: o Fiesta. O pequeno modelo veio da Espanha com motor 1.3, mas logo seria nacionalizado no ano seguinte.

O exótico compacto Ka foi a grande novidade de 1997, porém também foram introduzidas a Courier, a picape do Fiesta, e a Escort Wagon. A Ranger passou a ser produzida na Argentina em 1998. 1999 também teve uma nova picape: a grandalhona F-250.

O século XXI começou com boas perspectivas. O complexo industrial de Camaçari (BA) foi aberto em 2001. Em 2002 a fábrica colocaria nas ruas o projeto do novo Fiesta, mesmo período em que chegou o novo Mondeo. O sedã Fiesta só chegaria em 2004.

Ford Fiesta veio como importado e logo foi nacionalizado — Foto: Divulgação

Mas a grande estrela da nova fábrica chegaria apenas em 2003: o EcoSport. O jipinho foi o criador do segmento de utilitários compactos. Entre as motorizações oferecidas, um 1.0 com compressor.

O acordo comercial com o México facilitou a importação do Fusion. O carrão chegou em 2006 para substituir o Mondeo com um sedã maior e ao estilo estadunidense.

Sucesso de mercado, o EcoSport foi reestilizado em 2007 e assumiu o estilo do Land Rover Freelander. Estava tudo em casa, pois o grupo norte-americano era dono da empresa inglesa.

O EcoSport foi o primeiro SUV compacto com opção de tração integral, mantida até o fim de sua vida — Foto: Divulgação

A segunda geração do Ka foi lançada em 2008 e mudou em um ponto fundamental: ficou maior. A capacidade de ocupantes aumentou de quatro para cinco e o porta-malas, por sua vez, também foi ampliado.

Segmentos superiores também foram renovados. O novo Focus chegou em 2008 e o Edge desembarcou do Canadá com a proposta de ser o top de linha de gama. Introduzido em 2010, o Fusion Hybrid foi o primeiro híbrido pleno (capaz de mover o carro somente na eletricidade) vendido no Brasil.

A defasagem entre o nosso Fiesta e o estrangeiro ficou clara em 2011, quando foi trazido do México o New Fiesta. Com a segurança de sete airbags e outras tecnologias, o hatch logo se tornou o compacto mais completo do seu segmento.

Ford “New” Fiesta começou a ser feito no Brasil em 2013 já com estilo atualizado — Foto: Divulgação

Entretanto, em 2012 nos aproximamos mais do que a Ford tinha a oferecer mundialmente com a introdução do novo EcoSport. O jipinho era produzido no país e tinha estilo que sobreviveu até hoje, embora reestilizado.

Da mesma maneira (e no mesmo ano) chegou a nova Ranger. Ela também é feita atualmente, ainda que com muitas modificações.

Já 2013 foi um bom ano também. É a época da chegada da terceira geração do Focus, médio que traria até sistema de estacionamento automático. O Fiesta de nova geração também passou a ser produzido na fábrica do ABC paulista.

Ford EcoSport de segunda geração representou um salto, mas o câmbio Powershift rendeu problemas aos clientes — Foto: Auto Esporte

O Ka foi outro novo carro a sair de Camaçari, dessa vez com opção de cinco portas e tecnologias que incluem controle de estabilidade nos mais caros. Com começo de vendas em 2014, o compacto se aproximou um pouco do New Fiesta em refinamento.

A última mudança de estilo do EcoSport chegou em 2017, quando o SUV recebeu a frente e interior que conhecemos hoje em dia. Posteriormente, ele só perderia o estepe na traseira. Era o grande barato em uma opção com pneus que rodam mesmo vazios.

Ka Hatch sai de linha junto com o EcoSport e tira a Ford do segmento de acesso — Foto: Divulgação

É até engraçado, mas o grande símbolo dos carros de passeio da marca, o Mustang, só viria de maneira oficial em 2018. Ele ainda continuará a ser vendido no país. Esperamos que o V8 ronque fundo em protesto ao final da produção nacional da Ford. Não é fácil assistir calado ao fim de um processo que tem mais de 100 anos de história.

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