Hoje quando olhamos para a indústria automobilística brasileira vemos grandes corporações. Volkswagen, General Motors, Toyota e Hyundai são algumas empresas grandes que se instalaram no país. Mas por trás de algumas dessas filiais — e de algumas marcas menores — existem o sonho de algum visionário, com paixão por carros e dedicação.

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No dia 14 de agosto o Brasil perdeu um desses visionários, o doutor Carlos Alberto de Oliveira Andrade, que começou comprando uma concessionária e hoje sua empresa possui duas fábricas no país. O Dr. CAOA, como era conhecido, é um exemplo de visionário bem sucedido no Brasil, infelizmente nem todos tiveram o mesmo destino. Mas todos merecem ser celebrados, confira nessa seleção realizada pelo AutoPapo:

1. Carlos Alberto de Oliveira Andrade

Carlos Alberto de Oliveira Andrade começou com uma concessionária Ford e seu legado hoje inclui duas fábricas (Foto: CAOA | Divulgação)

A origem do Grupo CAOA é relativamente humilde perto das proporções que sua empresa tem hoje. Em 1979, o médico Carlos Alberto de Oliveira Andrade comprou um Ford Landau em uma concessionária de Campina Grande (PB), tendo até realizado o pagamento.

Mas antes de receber o veículo a concessionária faliu. Carlos Aberto propôs então que a concessionária fosse passada a ele como compensação pelo prejuízo. Assim começou o grupo CAOA, que, dentro de seis anos, se tornaria a maior rede de concessionárias da Ford na América Latina.

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O Hyundai Tucson foi o primeiro carro de passeio fabricado pela CAOA no Brasil (Foto: Hyundai | Divulgação)

A abertura das importações em 1990 trouxe uma nova oportunidade para o Grupo CAOA, que começou representando a Renault em 1992. Em 1998 passou a importar os carros da japonesa Subaru, chamando atenção pelos comerciais que comparavam os carros da marca generalista com carros de luxo europeus. No ano seguinte iniciava a representação da coreana Hyundai.

O Grupo CAOA conseguiu sucesso com essas marcas asiáticas graças a publicidade agressiva e aos cinco anos de garantia sem limite de quilometragem — na época o comum eram garantias de um a três anos. Em 2007, a CAOA inaugurou sua fábrica em Anápolis (GO) para modelos da Hyundai.

O sonho do Doutor Carlos Alberto de ter um fabricante nacional foi finalmente realizado por completo em 2017, quando passou a controlar as operações da chinesa Chery no Brasil. Assim foi criada a CAOA Chery.

2. Eduardo Souza Ramos

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Eduardo Souza Ramos é ex-marinheiro olímpico, isso ajuda a entender o investimento em automobilismo da MMC do Brasil (Foto: Rolex | Divulgação)

Nos últimos anos a Mitsubishi anda mal das pernas pelo mundo. Em mercados grandes como a Europa e EUA esse fabricante é um mero coadjuvante, e em 2020 chegou ao seu ponto mais baixo na Ásia. Mas no Brasil a história é diferente, os carros da marca dos três diamantes ainda mantém uma certa popularidade e estabilidade.

Por trás da consolidação dessa marca no Brasil existe uma história, que assim como a da CAOA, começa com um concessionário Ford. Em 1979, Eduardo Souza Ramos iniciou um negócio de fabricação de acessórios de personalização para os carros da Ford, a SR, paralelo à concessionária de seu pai.

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Antes de representar fabricantes, Souza Ramos personalizava carros e caminhonetes nos tempos de mercado fechado (Foto: SR | Divulgação)

A SR foi responsável por várias modificações famosas, como a perua Maverick, o Escort JPS, a limusine Landau e as diversas picapes grandes modificadas, com destaque para a Deserter XK. Em 1991, Eduardo Souza Ramos passou a representar a divisão automotiva da Mitsubishi no Brasil, criando a MMC Automotores do Brasil.

Mas Souza Ramos não estava interessado apenas na importação dos veículos Mitsubishi, ainda nos anos 90 foi proposto para a matriz japonesa a produção local. Em 1995 a MMC começou a montar a picape L200 na Zona Franca de Manaus (AM), com componentes importados do Japão. Enquanto isso, a MMC já procurava por um local para instalar sua primeira fábrica.

Em 1998, a fábrica em Catalão (GO) foi inaugurada, local escolhido graças a incentivos do governo local. Eduardo Souza Ramos revelou em uma entrevista dada ao Best Cars em 2003 que sua boa relação com o então CEO da Mitsubishi, Rolf Eckrodt, conseguiu autorização para adequar os veículos Mitsubishi para o nosso mercado e operar de forma independente no Brasil.

Graças a esse independência a MMC realizou mudanças no estilo da L200 e atualizações mecânicas para agradar ao público brasileiro. Mais tarde entraria na linha de produção o Pajero TR4, uma versão repaginada do Pajero iO com melhorias realizadas no Brasil. Outro investimento da MMC era nas competições, tanto o campeonato monomarca Mitsubishi Cup quanto na participação em competições grandes como o Rally dos Sertões.

Hoje, quase toda a linha da Mitsubishi vendido na Brasil é produzida na fábrica de Catalão, sendo importados apenas o Pajero Sport, e alguns níveis de acabamento do Eclipse Cross e Outlander. Souza Ramos também participou do retorno da Suzuki ao Brasil em 2012, com o jipinho Jimny sendo fabricado na planta da Mitsubishi em Catalão desde 2015.

3. Mario Araripe

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Mário Araripe entrou no início da Troller e transformou o fabricante de jipes em um sucesso (Foto: Youtube | Reprodução)

Em 1995, o engenheiro cearense Rogério Farias criou o jipe Troler, na cidade de Horizonte.vEle era um dos criadores da fábrica de buggies Fyber e utilizou sua experiência para fazer um jipe com carroceria em fibra de vidro.

Em 1997 Rogério se associou ao empresário Mário Araripe, que tomou a presidência da fábrica. Com o nome atualizado para Troller, como conhecemos hoje, a empresa lançou uma versão melhorada do jipe. O motor Volkswagen AP 1.8 deu lugar a versão 2.0 do mesmo motor e o estilo foi revisado.

A Troller sob a gestão de Mário Araripe cresceu, o jipe cearense foi conquistando o Brasil. Em 2000, quatro unidades do jipe participaram do desafiador Rally Paris-Dakar-Cairo. Também foi criada a Copa Troller, onde os proprietários podiam competir com seus jipes.

O jipe Troller T4 foi evoluindo com os anos, ganhou motor diesel, recebeu melhorias no chassi e na vida-a-bordo. Em 2006 o fabricante lançou a picape Pantanal, com uma versão alongada do chassi do T4.

Em 2007 Mário Araripe vendeu a Troller para a Ford, provando o sucesso que a fábrica cearense conseguiu. Com a Ford no controle, a engenharia percebeu que esse chassi alongado da Pantanal poderia apresentar fraturas e não podia ser consertado com segurança. Para evitar problemas judiciais no futuro e acidentes, a Ford optou por recomprar todas as unidades vendidas e destruí-las.

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Mário Araripe vendeu a Troller para a multinacional Ford (Foto: Troller | Divulgação)

Mário Araripe aproveitou o dinheiro que conseguiu vendendo a Troller para iniciar outro investimento: criou a empresa Casa dos Ventos, que trabalha com a produção de energia eólica. Após estudar sobre os locais onde mais ventava na região, Araripe construiu parques eólicos de alta eficiência na região nordeste.

Com essa produção de energia limpa, o nordeste deixou de depender da energia produzida em outras regiões e acabou com o risco de apagão. Infelizmente a Troller sob o comando da Ford não conseguiu a prosperidade da gestão feita por Araripe. Mesmo com vendas estáveis nos últimos anos, a Ford preferiu encerrar a marca e vender sua fábrica.

4. João Augusto do Amaral Gurgel

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O primeiro carro fabricado por Gurgel de forma independente foi um buggy (Foto: Gurgel | Divulgação)

De todos os visionários da indústria brasileira, o paulista João Augusto Conrado do Amaral Gurgel talvez seja o maior. Formado em engenharia pela USP, Gurgel sempre sonhou em fazer um carro 100% brasileiro. Mas por toda sua vida, pessoas falavam que esse sonho era impossível no Brasil.

Mas Gurgel não desistia. O título de sua biografia é “Gurgel: um brasileiro de fibra,” que se associa ao material que o engenheiro fazia seus carros, mas também a sua tenacidade. A primeira incursão de João Augusto foi com a Moplast Moldagem de Plástico Ltda, fundada em 1958, onde fez os primeiros painéis luminosos de acrílico do Brasil.

Mas o sonho de Gurgel era fazer carros, feito que conseguiu em 1960 com o kart de competição Mo-Kart. Os veículos seguintes criados pelo engenheiros foram minicarros com motores de até 400 cm³. O sucesso viria mesmo em 1969, com a fundação da Gurgel Indústria e Comércio de Veículos Ltda.

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No começo Gurgel fazia veículos fora-de-estrada (Foto: Gurgel | Divulgação)

O primeiro produto foi o buggy Gurgel 1200, feito sobre o chassi do Fusca e com um estilo diferente dos buggies tradicionais inspirados no californiano Meyer Manx.

Além do estilo próprio, Gurgel ensaiava a criação de soluções mecânicas: em 1970 passou a oferecer o Seletraction. Esse sistema consiste em duas alavancas de freio de mão, uma para cada roda traseira. Com a roda sem tração travada, o diferencial aberto do carro envia a força do motor para a outra roda, simulando um bloqueio de diferencial.

Em 1976 veio o jipinho X-12, com estilo retilíneo e carroceria fechada. A partir daí a Gurgel se especializou em utilitários, sempre feitos na plataforma do Fusca e utilizando o Seletraction para vencer os terrenos. E como todo verdadeiro patriota, Gurgel valorizava a cultura brasileira e batizava seus carros com nomes indígenas: Xavante, Tocantins e Carajás foram alguns deles.

João Augusto do Amaral Gurgel era forte em suas convicções. Quando o governo brasileiro iniciou o programa Pró-Álcool, Gurgel contrapôs que os campos são para produzir alimentos e não combustível. E para reforçar seu argumento, Gurgel apresentou uma outra solução para a gasolina: o carro elétrico.

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O elétrico Itaipu foi a resposta de Gurgel para a crise do petróleo (Foto: Gurgel | Divulgação)

O microcarro urbano Itaipu, que homenageava a usina hidrelétrica binacional, prometia custar metade do preço de um Fusca e ter uma autonomia de 60 km. Foram fabricados também uma série de furgões elétricos junto do carrinho. Porém o preço acabou sendo o dobro da versão à combustão.

O fracasso no mercado da família Itaipu não fizeram Gurgel desistir, o engenheiro desenvolveu um tipo novo de bateria baseada em chumbo-ácido pressurizado e até em um veículo híbrido a álcool.

O próximo grande projeto de Gurgel foi realizar o seu antigo sonho de um carro 100% nacional, que era chamado de projeto Cena (Carro Econômico Nacional). A proposta era de fazer um carro com vocação urbana e econômico.

O resultado desse projeto foi lançado em 1988, com o nome BR-800. O carro era inovador no desenho e também na forma de fabricação. O motor bicilíndrico batizado como Enertron teve o boxer do Fusca como porto de partida, mas não era apenas o motor Volkswagen cortado ao meio. O bloco era feito em alumínio e a refrigeração era feita à água.

Só que mais uma vez, os sonhos de Gurgel não deram certo. O brasileiro na época, assim como hoje, preferiu carros maiores que poderiam ser utilizados em rodovias, ofereciam espaço para cinco ocupantes e um porta-malas maior. A ideia do carro urbano não pegou, fato que se repete até hoje no Brasil.

O BR-800 evoluiu para o Supermini e também foi criado o divertido Motomachine. O lançamento do programa de carros populares com motor 1.0 e a abertura das importações atrapalharam ainda mais os planos de Gurgel, que declarou a falência de sua empresa em 1995. Cerca de 43 mil veículos foram produzidos pela empresa.

Mesmo com o fechamento da empresa, João Gurgel ainda tentava fazer um carro novo. Porém o diagnóstico de Alzheimer obrigou o sonhador a parar os projetos. O nome da empresa foi adquirido por um empresário, que usou a marca em triciclos importados da China. O engenheiro e empresário João Augusto Conrado do Amaral Gurgel veio a falecer em 2009, aos 82 anos.

5. Puma

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Rino Malzoni ao lado do GT Malzoni, o carro que seria o embrião da Puma (Foto www.rinomalzoni.com | Reprodução)

A Puma pode ser considerado como o fabricante de esportivos mais bem sucedido do Brasil. Durante os tempos de mercado fechado os fabricantes artesanais supriam a vontade de quem procurava um esportivo para se diferenciar das opções limitadas no trânsito.

A história da Puma começa antes de se chamar Puma. O imigrante italiano Genaro “Rino” Malzoni projetou um esportivo sobre a mecânica DKW a pedido da Vemag em sua fazendo, na cidade de Matão (SP). Assim nasceu o GT Malzoni, feito para enfrentar as berlineta Willys Interlagos nas pistas de corrida.

A estreia do GT Malzoni foi bem sucedida, garantido a vitória nas três principais corridas de 1965. Com o sucesso nas pistas veio a ideia da vender esse esportivo campeão para o público, nascendo aí a Sociedade de Automóveis Lumimari Ltda.

O nome Lumimari é a união da primeira sílaba dos nomes de Luís Roberto Alves da Costa, Milton Masteguim, Mário César de Camargo Filho e Rino Malzoni. Em 1966, o nome da empresa foi trocado para Puma, uma sugestão do chefe do departamento de competições da DKW-Vemag, Jorge Lettry.

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O Puma com motor Volkswagen foi o sucesso que fez a Puma marcar época (Foto: Puma | Divulgação)

O primeiro carro da Puma foi o GT, basicamente o GT Malzoni com algumas mudanças para se tornar mais adequado ao uso nas ruas. O projetista Anísio Campos auxiliou nesse processo. O Puma GT com mecânica DKW foi feito até a Vemag passar o controle das operações para a Volkswagen.

Com o fim da mecânica DKW, a Puma projetou um novo carro baseado na mecânica VW, utilizando o chassi do Karmann-Ghia. O novo Puma GT 1500 também foi desenhado por Rino Malzoni e sua belíssima carroceria tinha apenas 1,14 m de altura. Durante esse mudança Jorge Lettry virou sócio da Puma.

O Puma com mecânica Volkswagen foi um sucesso, sendo cobiçado até fora do Brasil. O modelo pode até ser considerado como inspiração para outros esportivos fora-de-série feitos com mecânica Volkswagen que apareceram no país.

Em 1970 a Puma começou a diversificar seu portfólio: trailers turísticos e cabines avançadas para os chassis de caminhões começaram a ser feitos em fibra de vidro pela marca. No ano seguinte apresentaram um protótipo com motor seis cilindros Chevrolet, que mais tarde entraria em produção como Puma GTB.

O Puma GTB veio como uma resposta da Puma ao Volkswagen SP2. O fabricante artesanal temia que o esportivo feito pela multinacional iria acabar com o seu negócio. O resultado foi o oposto, o belo SP2 foi feito apenas entre 1972 e 1976 enquanto a Puma continuou firme e forte.

Com a alta do petróleo a Puma considerou fazer um carro urbano, que era chamado de Mini Puma na época. Apesar do conceito ser elogiado e oportuno com a situação econômica do país, ele não chegou a ser produzido. Em 1981, a Puma entrou em contato com a francesa PSA e com a japonesa Daihatsu propondo fabricar carros compactos no Brasil, também sem sucesso.

A Puma original, controlada pelo quarteto Lumimari, faliu em 1984. Ainda nesse ano, o ferramental e os direitos da marca foram comprados pela empresa paranaense Araucária S.A. Indústria de Veículos. Quatro anos depois outra empresa do Paraná passou a controlar a Puma, a Alfa Metais, que manteve a marca viva até 1999.

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O Puma está de volta, agora com motor central e homenageando o passado (Foto: Puma | Divulgação)

Em 2007, o Puma GT com mecânica Volkswagen ganhou uma sobrevida no outro lado do atlântico. Uma empresa sul-africana voltou a fabricar o esportivo localmente, empreitada que durou até 2014. De todas as 22.116 de veículos Puma fabricados, 383 foram feitos nessa operação sul-africana.

Mas esse foi apenas o fim dos carros da Puma com a tradicional mecânica Volkswagen com refrigeração a ar. Em 2014, a Puma voltou mais uma vez no Brasil, agora com chassi próprio e motor central.

Cuidando do desenho dos carros está Du Oliveira e o primeiro carro a ser lançado se chama GT 2.4 Lumimari, homenageando o quarteto que criou a marca. O carro ainda está em desenvolvimento e terá tiragem limitada a 10 unidades, todas personalizadas ao gosto do cliente. Outros modelos virão em seguida.

O GT Malzoni é um dos xodós do Boris, confira:

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