Sindicato diz que pelo menos 50% dos profissionais cadastrados deixaram de rodar com regularidade e saída em massa torna procura por corridas mais difícil

Há pelo menos dois meses, o advogado Henrique Teles, 30 anos, disse que está cada vez mais difícil solicitar uma corrida em aplicativos como Uber e 99.

“Na semana passada, inclusive, esperei mais de 20 minutos para achar um motoristas. Os que aceitavam, cancelavam logo depois. Tive que desistir do compromisso e chamei um táxi na rua”, contou. Morador da região Central de Belo Horizonte, a situação dele não é uma exceção.

A administradora Flávia Rodrigues, 26, também percebeu a oferta cada vez menor de motoristas nas plataformas. Ela, que trabalha no sistema híbrido – em alguns dias fica em home office –, usa o serviço principalmente quando precisa ir até o escritório que atua.

“Passei a solicitar uma corrida mais cedo para não me atrasar. Às vezes consigo rápido, mas na maioria dos dias não e chega a demorar 10 minutos”, afirmou. A presidente do Sindicato dos Condutores de Veículos que Utilizam Aplicativos do Estado de Minas Gerais (Sicovapp), Simone Almeida, admite que o problema se estende por toda a região metropolitana.

Conforme Almeida, só na capital mineira há cerca de 70.000 motoristas cadastrados e outros 90.000 nas cidades da Grande BH. Desse total, a estimativa do sindicato é que pelo menos 50% abandonaram as plataformas ou deixaram de rodar com regularidade.

O motivo: as altas consecutivas dos combustíveis, com a gasolina acima de R$ 6 na região, somados aos gastos com manutenção e a falta de reajustes das corridas reduzem cada vez mais os rendimentos.

“Há sete anos não há reajuste nas taxas dos aplicativos e ainda o percentual repassado só cai. Muitos motoristas que tinham carros alugados, que hoje custam em torno de R$ 400 por semana, não conseguem mais arcar com esse valor e ainda pagar o combustível. Nas corridas pequenas, por exemplo, muitas vezes tem um rendimento de R$ 5 para um deslocamento que pode chegar a 4 km”, relatou.

Em alguns casos, segundo a presidente, as plataformas chegam a ficar com até 50% do valor das corridas. Simone Almeida, que também atua nos aplicativos, pontuou que a reclamação dos usuários sobre as dificuldades em entrar um veículo disponível é constante.

“É muito ruim para o passageiro acostumado com o transporte rápido, e também para nós, que queremos trabalhar. As plataformas dizem que hoje há mais usuários, só que é uma desculpa. Muitos estão deixando de atuar. O dinheiro vai entrando picado, mas quando tem que fazer uma manutenção, trocar o óleo e outras despesas, vê que é um falso ganho”, enfatizou.

No início do ano passado, Almeida lembrou que para faturar R$ 300, era necessário rodar pelo menos seis horas – hoje, esse prazo supera 12 horas.

“Estivemos em uma audiência pública na BHTrans e cobramos que a lei dos aplicativos sancionada em 2019 entre em vigor para fiscalizar práticas abusivas. É necessário um reajuste do valor das corridas diante de tantos aumentos nos custos que enfrentamos nos últimos anos”, alegou.

Compensa cada vez menos

O motorista Eude Poletti, 39, é um dos inúmeros casos de profissionais que passaram a rodar menos nas plataformas. “Eu parei parcialmente e comecei com uma empresa de e-commerce para vender produtos eletrônicos. Compensa cada vez menos, com essas taxas repassadas, o lucro é pequeno e é preciso trabalhar muito mais para conseguir pagar as contas”, frisou.

Para tentar driblar essas dificuldades, Poletti traçou uma meta de rendimento de pelo menos R$ 2 por quilômetro, mas ainda assim a situação é difícil. “Tem que ficar garimpando viagem que vale a pena. Ainda passei a rodar com o álcool, só que gasto mais de um quarto do faturamento só com combustível”, alegou.

Outro fator que preocupa os motoristas é a falta de segurança. Bruno Viana, 36, já foi assaltado duas vezes neste ano. Na última, levou três tiros, teve o carro e todos os pertences levados por dois criminosos em Contagem, na região metropolitana.

“Conseguiram localizar o veículo, mas tive o prejuízo com celular, carteira. Ainda usaram meu cartão de crédito. Já tinha acontecido uma vez, e agora de novo. Isso desanima bastante”, disse.

Segundo Viana, que atua há três anos nos aplicativos, o tempo dedicado às corridas é cada vez menor. “Eu ainda rodo, mas estou perto de parar, só esperando conseguir uma vaga de emprego. Diante das coisas que aconteceram, além do combustível alto, deixou de compensar. Se colocar na ponta do papel, você vê que está pagando para trabalhar. Tem pneu do carro, manutenção, seguro, documento”, alegou.

A presidente do Sicovapp, Simone Almeida, acrescentou que a classe vive uma situação dramática, por conta da crise econômica gerada pela pandemia.

“Muitas pessoas que eram motoristas estão desempregadas e não conseguem outra coisa para fazer. Eu trabalho em uma ONG e recebo diversos pedidos de ajuda de uma cesta básica. Sempre que pedem, tentamos arrumar. Isso é o mínimo, mas não temos condições de fazer mais”, desabafou.

Aplicativos negam oferta menor

Em nota, a 99 negou uma redução do número de motoristas cadastrados e lembrou que desde o final do ano passado, retomou o volume de corridas em 100% comparado ao período pré-pandemia. “Com a flexibilização das regras de isolamento social, além do aumento no uso do app pela classe C, há o retorno da locomoção das classes A/B que deixaram de fazer home office em período integral”, alegou.

A plataforma informou ainda que oferece um programa de incentivo aos profissionais parceiros, com um desconto de 10% nos abastecimentos em postos de uma rede, benefício que funciona durante toda a semana e é válido para o etanol ou a gasolina.

A reportagem também procurou a Uber para falar sobre a atual situação dos motoristas em BH, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Táxis voltam a ganhar em espaço na capital

Cancelamentos corriqueiros de corridas, mau atendimento e falta de qualidade dos veículos. Para a taxista Carla Lopes de Souza, 38, esses são alguns dos fatores que fizeram muitos usuários voltarem a utilizar o sistema de transporte em Belo Horizonte.

“As pessoas dizem que principalmente com corridas menores não estão conseguindo mais motoristas. Acredito que o fator mais importante também seja a segurança, já que é um sistema regulamentado, com profissionais treinados e credenciados”, contou. 

Com a popularização dos aplicativos de táxi, Lopes garante ainda que os preços estão mais competitivos. “A nossa plataforma oficial ainda tem 30% de desconto nas corridas, não tem tarifa dinâmica. Se tiver caindo uma tempestade, paga o mesmo valor. Muitas vezes, o táxi sai até mais barato que outros aplicativos. Temos todo tipo de passageiro e corrida, desde viagem, ida ao aeroporto, consulta médica”, alegou.

Além disso, a taxista lembra que as frotas são renovadas com maior frequência, o que garante conforto aos passageiros. “O carro precisa sempre estar com a conservação boa, já que ocorrem vistorias frequentes que, dependendo da idade do veículo, chegam a ser realizadas de três em três meses”, alegou.

De acordo com a BHTrans, a capital mineira conta com quase sete mil táxis, sendo que a idade média da frota é de 3,76 anos. Só nos primeiros meses deste ano, 245 veículos foram trocados por novos na cidade.

O vice-presidente do Sindicato dos Taxistas e Motoristas Autônomos de Minas Gerais (Sincavir-MG), João Paulo de Castro, acrescentou que dificilmente é encontrado nas ruas de Belo Horizonte veículos do sistema com mais de cinco anos de uso.

“O cenário que enxergamos hoje é que o cliente dos aplicativos perceberam uma menor qualidade do serviço e alguns estão migrando justamente por isso”, alegou.

Apesar de os táxis terem ganhado espaço, o dirigente alegou que os profissionais também sofrem com o aumento do preço dos combustíveis e viram seus rendimentos serem prejudicados.

“O motorista já tem uma planilha de custos bem elevada, por conta das diversas exigências, e o valor da gasolina piora ainda mais a condição. Vivemos um cenário de altas em todos os serviços, a vida do taxista também está mais difícil”, finalizou.



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