Os satélites da rede GPS, e da maioria das concorrentes, não são geoestacionários (que se movem em sincronia com a Terra, e por isso ficam sempre sobre o mesmo ponto dela). Eles se deslocam mais rápido do que a rotação terrestre, e por isso dão uma volta no globo a cada 12 horas, aproximadamente. É proposital, pois permite cobrir o mundo inteiro com menos satélites. Mas também cria um problemão. Ou melhor: dois.

O primeiro é que a velocidade desacelera o tempo. Esse fenômeno é descrito na Teoria da Relatividade Especial, publicada por Albert Einstein em 1905. Como o satélite se desloca mais rápido do que a Terra, o tempo passa mais devagar para ele. Por isso, seus relógios atrasam 7 microssegundos por dia em relação a nós. E tem mais. A Teoria da Relatividade Geral, que Einstein redigiu em 1915, descreve outra coisa bizarra: quanto menos gravidade, mais rápido o tempo passa. E os satélites estão na microgravidade do espaço, logo… seus relógios adiantam 45 microssegundos por dia. Somando uma coisa e outra, o resultado é que os relógios atômicos dos satélites precisam ser atrasados em 38 microssegundos por dia, todo santo dia. Se isso não for feito, adeus GPS: um dia sem a correção já provocaria um erro de 10 km na localização gerada pelo sistema. Você pediria um táxi na Avenida Paulista e o carro iria te buscar no Sambódromo. Cada satélite GPS possui quatro relógios atômicos, dois de césio e dois de rubídio, cujo horário é corrigido automaticamente pelo computador de bordo.

O GPS tem dois modos de operação: o Serviço de Posicionamento Preciso (PPS), que opera nas frequências de transmissão L1 e L2 [veja quadro abaixo], e o SPS (Serviço de Posicionamento Padrão), que usa as frequências L1 e L5. O sinal do PPS é dez vezes mais preciso – mas é criptografado, e só os militares dos Estados Unidos  ou de países aliados conseguem decodificá-lo. Já o SPS é o sinal aberto, que qualquer pessoa pode usar para se localizar. Mas ele também pode ser manipulado. Entre maio e julho de 1999, os americanos decidiram que a Índia, que estava em guerra com o Paquistão (então aliado dos EUA), não poderia mais usar o GPS. Eles enviaram um comando para os satélites, que passaram a embaralhar o sinal quando sobrevoavam a Caxemira, região de conflito entre indianos e paquistaneses.

Naquele mesmo ano, a Índia resolveu desenvolver seu próprio sistema de posicionamento via satélite: o NavIC, que só ficou pronto em 2018. Antes dela, outras nações já haviam percebido a importância de ter a própria rede de satélites de localização. A primeira foi a União Soviética, que em 1972 inaugurou o sistema Tsiklon (“ciclone”). Ele chegou a ter 31 satélites, e foi o antecessor do atual Glonass (“sistema global de navegação”), que começou a ser montado em 1982. Na década de 1990, com o colapso da URSS, os russos deixaram de fazer a manutenção e substituição dos satélites, e o sistema foi perdendo precisão e cobertura. Ele só voltou a ter alcance global em 2011. Hoje a maioria dos smartphones é compatível com o Glonass. Como o GPS, ele tem dois modos de operação – um aberto e outro criptografado, para uso militar. O Glonass é mais robusto do que o sistema americano, pois não precisa de “pulsos de correção”, informações que são periodicamente enviadas de bases em terra para os satélites GPS. Por outro lado, é menos preciso do que o sistema americano. Os russos pretendem superar isso lançando mais seis satélites, que terão uma particularidade: ao contrário da maioria dos satélites de posicionamento, que dão voltas sobre a Terra, os novos modelos russos serão  geoestacionários. Eles vão ficar sobre o hemisfério oriental, aumentando a precisão do Glonass na própria Rússia.

Esse esquema híbrido, que mistura satélites de órbita média (que dão voltas na Terra) e geoestacionários, já é utilizado pela rede BeiDou, o GPS chinês. Ele está em operação desde 2011, e atualmente tem 33 satélites em operação – incluindo cinco geoestacionários. O sistema QZSS, desenvolvido pelo Japão, também mistura os dois tipos de satélite. Mas tem uma característica ainda mais diferentona: três de seus quatro satélites têm órbita “quase-zenital”, ou seja, ficam a maior parte do tempo sobre o território do próprio Japão (não percorrem todo o globo, como as outras redes de satélites).

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(Guilherme Henrique/Superinteressante)

Já o sistema europeu, que se chama Galileo e ficou pronto em 2016, é mais conservador: só tem satélites de órbita média, como o GPS. Ele é administrado pela European Global Navigation Agency, uma organização multinacional com sede em Praga, na República Tcheca. Foi desenvolvido para uso civil, mas também tem usos militares. Tanto é que o Reino Unido, que deve deixar a União Europeia, já está debatendo a criação de seu próprio sistema de posicionamento. Os britânicos queriam continuar a usar o Galileo, mas a legislação europeia diz que apenas os países-membros da UE podem ter acesso ao sinal criptografado – que permite determinar a localização de qualquer ponto da Terra com 1 cm de precisão.  “Não é possível afirmar que um sistema seja mais eficiente do que os outros”, afirma Vaz, da USP. “Alguns desses sistemas têm alcance local, global ou uma combinação de ambos. São movidos por questões estratégicas, não necessariamente técnicas”, diz. Mas todos têm um ponto em comum: seus sinais podem ser embaralhados por inimigos de outros países – ou, até, motoristas de táxi.

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